segunda-feira, 7 de julho de 2014

Análise: Os Magos, de Lev Grossman

Os Magos é uma história sobre a efemeridade da felicidade, sobre a qualidade fugaz da mesma e em muitos momentos sobre a negação da sua existência, passando a ser vista como um ideal não alcançável.


Uma homenagem à fantasia e um cântico gótico à falta de sentido do viver.

A sensação que tenho em relação à Os Magos é a de que ele foi escrito para um grupo seleto de pessoas ao redor do mundo. Um grupo composto por indivíduos que descobrem, a cada dia, a cada experiência, que a felicidade é uma impossibilidade quando se vive em um mundo de metal e concreto. Cinzento. Pessoas que encontram na leitura uma realidade paralela para compreender um mundo que já existiu e sobreviver ao que ele se tornou. 

Este livro se tornou um dos achados mais importantes do início de minha vida adulta. Desde o início de 2012, quando o encontrei solitário em uma prateleira na livraria, o li por três vezes e, só agora, após lê-lo pela terceira vez, me senti motivado a falar sobre ele.

*Algumas notas

*Estou tendo bastante dificuldade para escrever esta resenha e acredito que isso se deve, em parte por considerar uma atividade mentalmente dispendiosa relatar as emoções, sentimentos e impressões que a leitura do livro me permitiu vivenciar e, em parte, pela presença de um receio que insiste em se estabelecer em algum canto da minha mente me fazendo considerar a possibilidade de não transmitir essas impressões de forma digna.

*Se você fizer uma busca rápida na internet por opiniões a respeito desse livro, você notará que esse está longe de ser um livro favoritado, recomendado ou amado. Eu, que gostei, recomendei e favoritei, entendo o desagrada da maioria dos leitores em relação à obra: é um livro com personagens essencialmente detestáveis, especialmente por serem retratos muito bem fotografados do que encontramos no mundo real. São jovens reais que foram privilegiados com a magia, que se mostra ser algo tão real quando as leis de Newton. Discordo, porém, de uma parcela de leitores desatentos (ou obtusos, em alguns casos) que interpretam a homenagem que Lev Grossman pretendeu prestar à fantasia (fazendo menções diretas a autores e livros, além de outras referências) como falta de criatividade, plágio, uma cópia descarada às Crônicas de Nárnia e Harry Potter.

Quando a realidade é a possibilidade máxima



A literatura fantástica, em todas as suas vertentes, é para mim o que há de melhor no universo da literatura, desde que seja bem trabalhada, o que requer talento e dedicação. Nas mãos certas, a fantasia incorpora energia e se torna a própria personificação do extraordinário, do maravilhoso e do poder.

Em Os Magos, o personagem principal, Quentin, é a representação do leitor que recorre à fantasia para encontrar beleza no mundo. Quentin é um jovem inteligente e deprimido que está prestes a ingressar em uma universidade e não consegue enxergar um futuro desejável, que valha a pena ser vivido. Quentin, como nós, não escolhe em que universo existir, não fomos apresentados ao manual de intrusão para a vida na Terra. Quando a realidade, opressiva e inescapável, se torna insuportável, ele recorre à sua única salvação: os livros, especialmente os livros que contam a história de Fillory e Além, um universo mágico onde tudo é repleto de significado e a alegria é real, palpável e sempre presente. Um lugar onde até mesmo as coisas ruins tem sua razão de ser.

É provável que a atitude de Quentin em relação à realidade, seu modo de encará-la, seja vista por muitos como algo negativo. Mas, é graças a esse lugar melhor para o qual ele vai (por meio da imaginação, uma simulação bastante convincente, um mecanismo de defesa inteligente) que ele consegue encarar o seu aqui e agora. É uma espécie de campo de reabilitação, de fonte de energia, uma dose forte de motivação. É como visitar uma versão melhorada do nosso mundo, onde a morte não é a protagonista e nem é vista como cotidiana ou insignificante, onde os diálogos não se resumam às telenovelas, futebol, revistas ou o terror imposto pelos telejornais, que diariamente nos levam ao estômago de um inferno que parece cada dia mais onipresente. A fantasia, longe de ser um inimigo que nos faz viver no “mundo da lua”, acaba por se tornar uma companhia que nos impulsiona a suportar a vida no mundo dos homens e suas mazelas.

Quando a realidade parece ser a possibilidade máxima, a fantasia nos permite quebrar as regras e infringir as leis.

O Cântico

Quando li Os Magos pela primeira vez e conheci o Quentin, a impressão era a de que ele possuía sua própria tempestade particular, com nuvens negras, trovões e torrentes de água.

“O céu fechado e cinzento ameaçava nevar. Para Quentin, era como se o mundo estivesse pintando um cenário de pura desgraça só para ele: corvos empoleirados nos fios dos postes, cocô pisado de cachorro, lixo voando com o vento e os cadáveres de inúmeras folhas úmidas de carvalho sendo massacrados de inúmeras formas por inúmeros veículos e pedestres. ”

Durante todo o livro acompanhamos Quentin em suas descobertas de um mundo e de mistérios indecifráveis. Acima de tudo, o acompanhamos em sua busca desenfreada e desesperada pela felicidade que, como um espírito agourento, parece fugir de sua presença.

“Quentin sabia que não estava feliz. Mas por que não? Ele havia reunido com muito esforço todos os ingredientes para a felicidade. Ele já havia realizado todos os rituais necessários, dito as palavras mágicas, acendido as velas, feito os devidos sacrifícios. Mas a felicidade, como um espírito desobediente, recusava-se a dar as caras. Ele não sabia mais o que fazer. ”

Os Magos para mim é um cântico que evoca a felicidade e que a expulsa. Uma espécie de alerta aos ambiciosos, que esperam receber uma visita permanente desse estado de graça que é a felicidade, e esquecem de servi-la bem quando ela resolve dar uma “passada” por nossas vidas.

Algumas Informações

Em Os Magos, a magia assume um caráter levemente científico, não explicável, mas que pode ser especulado a analisado sob um ponto de vista físico. Esse é apenas um dos diferenciais da obra como um livro de fantasia.

Os Magos é um livro adulto, por tratar abertamente de problemas e dilemas do início da vida adulta e a própria linguagem empregada por Grossman é adulta, além de possuir referências que serão imediatamente reconhecidas por leitores mais experientes. Álcool, drogas, homossexualidade, sexo irresponsável, traição são alguns dos temas abordados no livro.

Os Magos é, também, um livro bastante descritivo.

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