segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

A Leitura e seu Poder de Simulação






"No fim não teremos apenas envelhecido, mas acrescentado vida aos nossos anos."

Mesmo sendo seres excepcionais, os humanos possuem ainda muitas limitações, em diversas áreas. Mas uma das características que nos tornam tão admiráveis é que estamos sempre tentando, de um modo ou de outro, superar essas limitações. Atualmente podemos nos locomover de um continente à outro em poucas horas ou mesmo em minutos. Voando. Sem necessidade escrever uma carta e aguardar dias ou semanas para que chegue ao destino, podemos transmitir nossa mensagem a um indivíduo que esteja do outro lado da cidade ou mesmo do outro lado do mundo. Uma ligação, algumas palavras digitadas em um aparelho celular e pronto, contato realizado com sucesso! Mas nem tudo são flores, por isso, vamos agora aos espinhos.

Poderia passar a vida inteira recolhendo exemplos de como os seres humanos têm conseguido superar suas limitação ao redor dos tempos e continuam a fazê-lo. Poderia retirar exemplos de diversas áreas de atuação, como a engenharia, a biologia, a medicina, a psicologia, a arqueologia, a linguística, entre tantas outras. Mas ainda há muito o que desvendar e solucionar, especialmente se considerarmos que há limitações de diversas naturezas. Um desses obstáculos, talvez um dos mais antigos e sempre atual, é o que podemos chamar aqui de “déficit de empatia”.


A empatia é, basicamente, a capacidade que quase todas as pessoas possuem de, por meio da mente, simular situações diretamente ligadas à outras pessoas ou outras formas de vida terrestres (animais, plantas etc.), mas com foco para outros indivíduos da mesma espécie. Trata-se de uma poderosa ferramenta de simulação que, literalmente, por meio de vários mecanismos cerebrais, nos coloca dentro do corpo e da mente de outras pessoas, fazendo-nos compartilhar seus pensamentos, aflições e alegrias. Fazendo-nos sentir o que sentem. Segundo o Novo Dicionário Aurélio, a empatia é uma “tendência para sentir o que [uma pessoa] sentiria caso estivesse na situação e circunstâncias experimentadas por outra pessoa”. Um déficit de empatia, então, vem a ser uma redução ou, em alguns casos, a total ausência da capacidade de se colocar no lugar de outra pessoa. A psicopatia é um exemplo perfeito para assimilarmos o quão prejudicial pode ser a vida em uma sociedade na qual a empatia esteja se tornando escassa.


A empatia é, também, uma forma instintiva de sobrevivência. Um mecanismo que nos ajuda a controlar a selvageria dos sentimentos mais animalescos que habitam a nossa natureza. Seu déficit pode resultar, por exemplo, em eventos como os terríveis bombardeamentos ocorridos em Hiroshima e Nagazaki, o Holocausto, a escravidão humana ou animal, ou as terríveis torturas da Inquisição. É exatamente aqui que entra a literatura, isto é, os livros de ficção: o mecanismo mais eficaz que encontramos para lutar contra os efeitos do déficit de empatia e nos aproximarmos cada vez mais de uma humanidade menos avassaladora.


Se você fizer uma busca na web com os termos “leitura, ficção e empatia”, irá encontrar uma série de artigos, ou mesmo teses acadêmicas, que abordam os resultados de pesquisas realizadas como o propósito de examinar o papel da leitura de ficção na vida dos leitores. Os resultados observados são animadores e só ajudaram a aumentar ainda mais a credibilidade da leitura como prática indispensável, além de desmitificar a ideia de que a ficção não passa de entretenimento. As pesquisas realizadas verificaram os processos cerebrais desencadeados nos indivíduos que leem ficção e que leem não-ficção. Aqueles que leram obras de ficção, experimentaram reações cerebrais diretamente ligadas à experiência. Ao lerem sobre os personagens, suas histórias e suas falas, os leitores assumiram seus sentimentos e pensamentos, ligando-se às personagens, experimentando, por meio da imaginação, as experiências dos próprios personagens. Já os leitores de não-ficção não obtiveram resultados consideráveis nessa área. Para não me estender muito nessa abordagem, recomendo o excelente artigo publicado no site Papo de Homem Por que os homens deveriam ler mais ficção?


São muitos os benefícios da leitura, disso não há dúvidas. Já há muitos artigos na internet, revistas ou mesmo livros inteiros falando sobre o benefício e a importância da leitura. Mas pouco é dito a respeito do caráter simulatório da leitura de ficção. Essa capacidade que a literatura têm de nos arrancar do nosso corpo, de desincorporar-nos e nos introduzir em outro corpo, outra vida, outro contexto, outra época, outra história, outros pensamentos, outras cores, outros dias, outras noites. Aliás, um dos sublimes pontos fortes da prosa de ficção, que ela ostenta com cômoda superioridade em relação a qualquer outra modalidade narrativa, inclusive o cinema, é sua capacidade de precipitar-se (bem como precipitar-nos) para dentro e para fora da mente da personagem. Ela detém esse imenso poder de contrair e expandir a percepção. Imersos no mar de histórias, a nado no rio do romance, seguindo em direção à ilha-que-não-existe-em-mapa-algum, tornamo-nos disponíveis, permanecemos abertos, livramo-nos dos esquematismos, dos preconceitos, dos rótulos. Somos multidões inteiras,trilhões de vozes. "Nós, leitores de Dante ou de Cervantes, de Shakespeare ou te Tolstoi, nos sentimos membros da mesma espécie pois, nas obras que eles criaram, aprendemos aquilo que partilhamos como seres humanos, o que permanece em todos nós além do amplo leque de diferenças que nos separam. E nada defende-nos melhor contra a estupidez dos preconceitos, do racismo, da xenofobia, das obtusidades localistas, dos nacionalistas discriminatórios, do que a comprovação constante que sempre aparece na literatura : a igualdade essencial de homens e mulheres em todas as latitudes e a injustiça representada pelo estabelecimento de formas de discriminação, sujeição ou exploração entre eles.


Nada, mais que a literatura, nos ensina a ver as diferenças étnicas e culturais a riqueza do patrimônio humano e valorizá-las como uma manifestação de sua múltipla criatividade. Ler literatura é divertir-se, com certeza, mas é também aprender, dessa maneira direta e intensa que é a da experiência vivida através das obras de ficção, o que somos em nossa integridade humana, com os nossos atos e nossos sonhos" - Mario Vagas Llosa

Por Henrique Magalhães

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